19 de fevereiro de 2010

Escutas ao Sol

Para começar não acho que estejamos a viver um período de censura onde o lápis azul voltou a rasurar os jornais antes das edições fecharem. Mas não posso deixar de assinalar como Mário Crespo diz, "um clima de censura nos media".

O caso "Face Oculta" que se tem falado com insistência, alavanca consigo várias questões. O porquê do estado ainda deter a Golden Share, o porquê dos membros indicados pelo governo para ocupar cargos públicos não possuírem uma carteira profissional condizente com as funções que desempenham e por último, talvez a questão mais perturbadora, a ingerência dos grupos económicos detentores dos órgãos de comunicação nas respectivas linhas editoriais.

Se recuarmos até ao último verão e à história da compra da TVI pela PT, o negócio que segundo Zeinal Bava dizia que era estratégico pelos conteúdos multimédia, o negócio que José Sócrates dizia desconhecer, agora não é mais do que uma história de embalar. Na altura o Governo para travar a crescente mediatização do caso e corta-lo pela raiz ameaçou accionar o poder de veto que que Golden Share proporciona caso as negociações fossem avante. Também na mesma altura não sabia que nos representantes indicados pelo Governo para a Comissão Executiva da PT tinha um senhor chamado Rui Pedro Soares.

Devido à extrapolação do caso, hoje podemos saber com mais pormenor quem é este figurante que tem a função de representação estatal. A experiência profissional pensamos nós de boa-fé que nem deve ser colocada em causa, isto quando vemos que um licenciado em Gestão de Marketing pelo IPAM no Porto, que foi assessor de dois eurodeputados do PS, que teve uma passagem pelo departamento de marketing da Cetelem, que foi vereador sem pelouro pelo PS na câmara municipal de Lisboa após derrota de João Soares, é plantado numa das maiores empresas portuguesas a ganhar cerca de 2.5 milhões de euros ao ano. Se olharmos somente para a experiência profissional derivada da qualificação fica-se a pensar que era imperativo dar um pouco de brilho ao curriculum. Fica a assessor na comissão executiva da PT Multimédia em áreas que a experiência profissional manifesta desconhecimento e passado um ano toma posse como administrador executivo. Agora vamos fazer o exercício de pensar onde estaria este senhor se a Golden Share já não existisse. Deverão estar a pensar o mesmo de que eu, estaria noutro lugar na máquina governamental devido às suas excelentes capacidades atrás evidenciadas, pois claro.

Depois deste cartão-de-visita, e não sei se foi aconselhado por alguém, mas esta figura teve a ideia inoportuna de colocar uma providência cautelar para evitar a publicação das escutas. Pensando meramente no campo das hipóteses, se no quadro jurídico existe essa opção porque não a accionar. Não podemos fazer uma crítica pela utilização deste meio jurídico, podemos sim criticar ter sido mal dirigida e ser inócua. Diga-se de passagem que as escutas foram arquivadas e deixaram de estar abrigadas pelo segredo de justiça.

A tentativa de manter por pelo menos 30 dias a publicação das escutas na gaveta só deu lustro a um sapato já de si bonito. Confesso que se as escutas não fossem publicadas no SOL iriam para certamente a um blog ou seriam transcritas no youtube como aconteceu no caso Apito Dourado. Por isto acho a providência cautelar inócua, porque não consegue ser eficaz ao ponto de evitar que a opinião pública saiba do conteúdo das escutas. No aspecto formal tudo muito bonito mas depois faltou um pouco de perspicácia.

Mas para quem leu a edição do SOL de sábado (sim, eu fui dos que não conseguiu comprar sexta-feira) viu o esplendor com a que pressão de interesses superiores entra pelos gabinetes dos directores de órgãos de comunicação social. Isto levanta a questão de com que bases partimos para estabelecer um relação de confiança nas respectivas linhas editoriais após este caso?
Espero sobretudo que este caso exista para haja um contágio de desobediência civil generalizada na imprensa em defesa do interesse público. Ficamos sem garantias de que todos se pugnam para que a verdade saia crua para as bancas.

No Público sai o José Manuel Fernandes e entra outra direcção editorial a dizer que o jornal tinha deixado de ter uma agenda politica. No DN e JN os respectivos directores recebem recomendações para terem e cito "cuidado com as perguntas que andam a fazer". Na TVI arruma-se a Manuela Moura Guedes e manda-se o director do canal embora. Na RTP passam os anos e o serviço público editorial aos sucessivos Governos é mantido. O Diário Económico é comprado pela Ongoing que é referida como o plano B.

Vamos ter de continuar a conviver com estas flutuações do mercado e de quem manda. Da mesma forma que se exige ao actual Governo a uma sã convivência com a opinião diferente, parece que o papel que nos é reservado no enredo é de separar o trigo do joio. A sorte é que ainda existem uns perturbados em tentar repor o senso público.