9 de novembro de 2011

A crise e os Otelos deste Portugal

Existem coisas em que a disponibilidade que temos é decisiva, particularmente quando queremos dissecar determinados pedaços de acontecimentos que surgem no nosso dia-a-dia.

Pois bem, hoje Portugal vive a par de toda a Europa, períodos voláteis de moralidade, da maior falta de sensibilidade de pensamento. A preguiça hoje ocupa o destaque e pergunto-me se os que se esforçam para provocar pensamento ainda serão a maioria no seio de nós (e ainda talvez o sejam).
Hoje estamos no limbo. No limbo de aceitar de olhos cegos argumentos velhos em detrimento do choque do pensamento e estaremos sempre no limbo quando o cansaço se apodera de nós.
Esse cansaço que entra pelo nosso pensamento quando vemos a injustiça dos que enriquecem materialmente e moralmente de uma forma ilícita, impune e sem marcha atrás.

Eu pertenço a aqueles que aceita trabalhar arduamente para pagar uma situação que estive longe de legitimar. Aceitei com uma contrapartida de consciência.
Quem provocou este futuro colapso na nossa qualidade de vida, deverá ser julgado por tal. Mas, desenganem-se aqueles que neste julgamento só estarão políticos, Não!
Por felicidade do acaso ou das experiências de vida, interessei-me cedo pela vida social, politica e económica do meu país e em geral do mundo onde vivo. Isso faz com que não tenha um eixo de visão inclinado para a versão mais fácil. É fácil entregar um conjunto de acusações sem pensar. Tantos actores e actrizes (políticos, sindicalistas, gestores, economistas, juízes, ordens profissionais, grupos de lobby, etc.) repito, tantos actores e actrizes da mesma peça, no mesmo teatro mas a inclinação vai sempre para umas fatídicas personagens que antes de começar o seu papel, já têm o seu fado traçado.

Se o nosso sistema de Justiça não se encarregar de dar nome aos julgados, aí sim, perdemos uma grande oportunidade de introduzir de uma forma definitiva e sem medo, as palavras competência e incompetência na nossa cultura organizacional. O problema que vejo, é que existem nações dentro do nosso quadro internacional que já sem medo estão de forma mais célere a fazê-lo. A nossa cultura está em jogo.

Quanto à responsabilidade indirecta, quanto a nós, quando à nossa quota parte, não devemos ter receio, não devemos ter medo de dar tudo o que temos. Acredito muito sinceramente, porque o vivo diariamente, se dermos tudo o que temos, podemos não ter a atenção de todos, mas teremos sempre a de alguém. A melhor publicidade da nossa competência somos nós próprios e se o infortúnio aparecer, a probabilidade da nossa conduta no passado ter sido exemplar é maior em resolve-lo.

O que me levou a escrever este texto foi o lume que muitos daqueles que são os vencedores do estado de sítio e mesmo assim tentam atear mais fogo a uma casa já de si em lume brando. Anteontem, um senhor chamado Otelo Saraiva de Carvalho, fez vastas declarações públicas em que culminam em síntese num "Otelo admite novo golpe militar em Portugal". Público
Fez estas declarações possivelmente ao abrigo do êxito da posição de coordenador de MFA em 1974.

Depois de um grupo de pessoas em que o sr. Otelo fazia parte, devolverem a Democracia a este país, houve um conjunto de circunstâncias não menos importantes que se passaram a seguir e convém nunca esquecer para perceber o todo e não tão só uma parte. À moralidade as palavras dos que lutam por ela.

Após a revolução de 25 de Abril de 1974 e todo o seu fervor, seguiu-se o 25 de Novembro de 1975. Sucintamente foi a disputa da trajectória continua da evolução de um Portugal democrático ou a viragem para um Portugal de cariz de extrema esquerda com tons ditatoriais.
Neste episódio houve um detalhe que se diz importante e decisivo. No dia acima descrito, que seria o momento para a viragem politica e quando o lado comunista precisava da voz operacional para a mudança, Otelo foi para casa e todo o plano ruiu. Se foi ou não, foi um dos que esteve preso em consequência da tentativa de golpe de estado.
Passados alguns anos, entre 1978/1980 nascem as forças populares 25 de Abril, vulgo FP-25. Uma organização terrorista que no seu manifesto tinha variadas preocupações. Na essência era contra a instauração de um democracia parlamentar, criação de partidos políticos e de todo o sistema económico apelidado de capitalista.

Neste mesmo ano Otelo Saraiva de Carvalho funda o partido Força de Unidade Popular (FUP) que seria o partido que o apoiaria na derrota expressiva das eleições presidenciais de 1980.

Entre 1980 e 1987, as FP-25 foram responsáveis por 17 assassinatos, 66 atentados à bomba e 99 assaltos a bancos e carrinhas de valores.

Após Policia Judiciaria ter iniciado o desmantelamento da organização, descobre-se que um dos seus líderes operacionais era Otelo Saraiva de Carvalho e que o partido que criara pertencia ao plano de acção terrorista.
Otelo, foi julgado e condenado em 1987 a 15 anos de prisão pelo crime de terrorismo. Cumpriu 5 anos da pena.
O desmantelamento da organização dá-se até 1989 com a captura e fuga dos últimos elementos para Moçambique. Em 1991 começa a "absolvição" na secretaria, com Mário Soares a conceder um indulto por greve de fome de 7 presos da organização. E o mesmo, promulga a Lei nº 9/96 de 23 de Março que amnistia as infracções de motivação politica entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991 que tinha sido aprovada pela esquerda na Assembleia da República (com os votos contra PSD e CDS).

O fim do processo chega a 9 de Julho de 2003. Prescreve o processo dos chamados crimes de sangue, no qual quase todos os réus foram absolvidos e dois arrependidos condenados, porque o Ministério Público deixa expirar o prazo para recorrer da sentença para o Supremo Tribunal de Justiça.

Já em 2010, o Diário de Noticias publica uma peça em que um operacional de nome Gobern Lopes afirma que o "surgimento das FP-25 fez sentido. Não tenho de que me arrepender". Por coincidência também em 2010, outro membro operacional chamado Óscar Gonçalves, chefe de um gang de assaltos a caixas de multibanco no valor de 2,1 milhões de euros, estava em julgamento, diz o Correio da Manhã.

Mas se isto já não fosse suficiente, em Abril de 2009, o Correio da Manhã (e o Público também) publica uma noticia a dar conta que "Otelo Saraiva de Carvalho foi esta semana promovido a coronel de Artilharia. A promoção do líder operacional do 25 de Abril, efectuada ao abrigo da lei da reconstituição das carreiras dos militares que tenham sido penalizados por terem participado no período de transição da Revolução de 1974, ocorre sete anos depois de Paulo Portas ter travado essa iniciativa, enquanto ministro da Defesa, por questões relacionadas com o processo que envolveu o grupo terrorista FP-25, no qual Otelo foi indultado e depois amnistiado pelo ministro da Defesa Augusto Santos Silva"

Este senhor teve direito ao pagamento de uma indemnização de 49 800 euros, referente à diferença entre os salários de tenente-coronel (cerca de 3 mil euros), na altura o seu actual posto, e o de coronel (cerca de 3500 euros).

Otelo Saraiva de Carvalho por "não aceitar a promoção nos mesmos termos da legislação que enquadrou a reestruturação das carreiras aos militares do 25 de Abril e que tinham visto o seu percurso prejudicado pela participação na Revolução de 1974", interpôs uma acção contestando os termos da promoção e por isso continua a receber como Tenente-coronel, conta o Expresso em Junho de 2010.
Tudo porque acha que a amnistia que Mário Soares promulgou em 1996 atesta que a sua carreira militar não fora interrompida. E com isso pretende receber retroactivos desde 1986.
Esta entrevista ainda consegue ser mais contundente ao dizer "Não aceito que me 'roubem 14 anos, ficando com um 'buraco negro' na minha carreira militar".

O sistema, perdoou assassinos que nunca se arrependeram e esqueceu o mal de forma leve de mais para sequer haver uma tentativa de compreensão. Esqueceu as vitimas, mas devolveu a oportunidade de estas pessoas poderem afectar as vidas de qualquer um de nós mais uma vez e este não enjeitaram.

Hoje, Otelo Saraiva de Carvalho ganha pelo menos cerca 3000€ por mês e vemos que o sistema protegeu-o sempre. A Justiça foi lenta e ineficaz, o ministério de Defesa pervertido nos seus valores e nem as Finanças públicas escaparam a este triste trecho da nossa história.
Otelo critica o sistema vigente, o mesmo que reescreveu a sua história que no mínimo em termos democráticos, podemos pensar que não tem direito.

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